Nuno Garoupa

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segunda-feira, dezembro 25, 2006

Artigo na Revista Dia D (22 Dez 06)

Justiça e Economia
Nuno Garoupa

Olhando a comunicação social nas últimas semanas e as opiniões escritas por ilustres gurus do pensamento português, começo a ter a impressão de que a Justiça passou a ser a panaceia dos nossos problemas económicos estruturais tal como foi a Educação durante 30 anos. A Educação foi prioridade, foi paixão, foi solução milagrosa. Engordou, consumiu recursos, empregou milhares de professores e especialistas. Passados 30 anos estamos, em termos relativos, exactamente na mesma; o rendimento per capita de cada português é hoje exactamente a mesma percentagem da média europeia que era em 1973. Evidentemente a Educação não resolveu o nosso atraso estrutural nem alterou qualitativamente o nosso cenário microeconómico. O discurso politicamente correcto dos catedráticos da opinião sobre a Justiça aponta na mesma direcção. Um exemplo simples é a empresa na hora. Com mais ou menos matizes, ninguém duvidará da importância dessa iniciativa. Mas se alguém pensa que terá um impacto significativo no crescimento económico ou no investimento a cinco ou dez anos, então sofre de propaganda governamental aguda.

A Justiça sem dúvida que importa para o desenvolvimento económico e social. Mas não é nem a solução milagrosa nem a restrição mais activa. A qualidade do sistema judicial, dos tribunais ou da judicatura na China ou na Europa de Leste é catastrófica, nem por isso deixam de atrair investimento estrangeiro ou de apresentar taxas de crescimento económico de fazer inveja à portuguesa. Uma Justiça de duvidosa qualidade é essencialmente um sinal visível de um enquadramento institucional muito medíocre. Não havendo reformas estruturais nem mudança de paradigma, mas apenas melhorias de gestão e eficácia, pouco ou nada isso contribuirá a recuperar o nosso atraso estrutural.

A actual equipa do Ministério da Justiça é muito possivelmente a melhor que passou por lá. O Ministro Alberto Costa, com todos os defeitos que lhe possam imputar, é o melhor ministro da Justiça desde o 25 de Abril. Não podemos especular sobre aqueles que apenas aqueceram o lugar de Ministro nos curtos meses que lá estiveram (como Aguiar Branco), mas olhando os que por lá passaram por mais tempo (recordo Fernando Nogueira, Laborinho Lúcio, Vera Jardim, Celeste Cardona ou mesmo António Costa), este Ministro já fez mais e muito melhor que todos eles. Não direi que todas as reformas, modificações, alterações, iniciativas que fez e teve foram excelentes, mas no global apontam no sentido de uma maior eficácia na utilização dos recursos disponíveis, numa maior flexibilização de um sistema rígido, na modernização de um sistema caduco. A pouca importância que o poder político sempre devotou à Justiça (por alguma razão escapou ao saneamento revolucionário de 1975 que assolou o mundo económico, militar, universitário; tal era a importância que o poder judicial merecia aos vanguardistas da esquerda popular) e o formalismo dogmático vigente em anteriores pseudo-reformas contrasta com o dinamismo e o conteúdo substantivo das propostas que agora saem do Ministério da Justiça.

O problema das reformas em curso é que elas não alteram nem o paradigma do sistema judicial nem atacam os problema estruturais. Do meu ponto de vista, uma reforma da Justiça (e não as reformas na Justiça) só poderá acontecer quando houver uma política de Justiça (e não uma gestão, ainda que agora mais eficaz, do sistema de Justiça). Acontece que para existir política de Justiça tem de haver confronto de ideias, projectos, ideologia. Coisa que não há, nem nunca houve. O confronto ideológico em Portugal sempre se faz na regulação económica (o papel do Estado na economia), na regulação social (o papel do Estado na sociedade) e nas políticas sociais (na educação, na saúde) mas nunca na Justiça. Isso é uma consequência directa da funcionalização da Justiça pelo Estado Novo e do pensamento jurídico dominante teleológico que sempre rejeitou o Direito como instrumento de políticas públicas. Claro está, uma vez que se aceite que o Direito e a Justiça são instrumentos de políticas públicas, o debate ideológico e político não pode deixar de ser feito.

A situação em Portugal é muito curiosa. A esquerda engole a dejudicialização (que sempre prejudica a parte mais fraca) do divórcio (rejeitada em muitos outros países por afectar negativamente a mulher de forma muito significativa) ou dos processos cíveis sem pestanejar, aceita de forma complacente a existência dos tribunais administrativos (nem sequer pugnando pela transformação do STA em secção de contencioso administrativo no STJ) que são uma instituição de tradições autoritárias e opacidade do Estado, ou mantém um equilíbrio entre umas custas judiciais baixas (em relação ao custo marginal do processo) que efectivamente subsidiam as grandes empresas e o apoio judiciário débil que não favorece os mais necessitados. Mas a direita não lhe fica atrás. O principio do utilizador-pagador fica à porta dos tribunais e a meritocracia não entra na judicatura (até as famigeradas quotas que são más noutros contextos, no acesso aos tribunais superiores já são boas).

Vejamos as coisas como elas são. Em Portugal, em matéria de Justiça, não há nem nunca houve nem esquerda nem direita. Existe apenas uma imensa tecnocracia, neste caso não económica ou contabilista, mas dogmática e formalista na melhor tradição do pensamento jurídico alemão. Porém, uma reforma estrutural da Justiça só pode acontecer quando a tecnocracia der lugar à política.

domingo, dezembro 17, 2006

O meu décimo-primeiro artigo na Revista Atlântico (Nov 06)

HOLA MADRID
Más notícias para Zapatero
Nuno Garoupa

O mês de Novembro trouxe muito más notícias a José Luis Rodriguez Zapatero. Enquanto a situação no País Basco entrou num impasse perigoso, com Zapatero entalado entre as exigências dos terroristas e a crítica demolidora da direita, as eleições para o Parlament da Catalunha complicaram a sua situação política possivelmente de forma irremediável.

Ao colapso do tripartido catalão (socialistas, esquerda nacionalista e comunistas), Zapatero respondeu com uma aproximação à direita nacionalista da Catalunha (CiU) que permitiu a aprovação do Estatut catalão (numa versão bastante mais moderada que o documento enviado a Madrid pelo parlamento catalão) e do Orçamento para 2007. Para além disso conseguiu o afastamento de Maragall, o socialista que presidia à Generalitat, e a sua substituição por José Montilla, o seu Ministro de Indústria. Desenhava-se pois uma coligação entre o PSOE e a CiU para governar na Catalunha depois das eleições (a sociovergencia) e em Madrid (por virtude de um acordo parlamentar que poderia mesmo passar por assignar alguns departamentos do Estado à CiU). Isolava o PP à direita e libertava Zapatero dos seus sócios à esquerda (esquerda nacionalista e comunistas) que ameaçam transformar-se num passivo eleitoral. Mesmo dentro do PSOE, Zapatero parecia guinar à ala direita com os editoriais do El País a elogiar a nova moderação do Governo frente à captura do PP pela direita extrema (e não a extrema direita).

As eleições na Catalunha a 1 de Novembro comprometeram a estratégia de Zapatero. A queda acentuada dos socialistas (perderam cinco deputados) não correspondeu a um aumento significativo do voto na direita nacionalista da CiU (apenas ganharam dois deputados), mas sim nos comunistas (ganharam três deputados). A esquerda nacionalista resistiu (perdeu dois deputados muito provavelmente para a CiU). O PP não avançou (perdeu um deputado). O novo partido anti-nacionalista, Ciutadans, conseguiu três deputados (possivelmente dois dos socialistas e um dos populares).

A queda acentuada do PSC (socialistas na Catalunha) assustou bastante o PSOE em Madrid pois em 2004 os socialistas ganharam em Espanha pela vantagem eleitoral na Catalunha, no País Basco e na Andaluzia (perderam no resto de Espanha para o PP). Mas o pior estava para vir. A reedição do tripartido na Generalitat foi um golpe muito forte na moderação de Zapatero. É que o afastamento da CiU do governo catalão tem como consequência imediata a ruptura do pacto que existia em Madrid e leva Zapatero a ter que voltar a entender-se com a esquerda mais radical.

Parece-me contudo que o mais grave a médio prazo para Zapatero é o discurso do novo presidente da Generalitat. Para contrastar com o anterior tripartido de Maragall, Montilla insiste em posicionar a nova edição da coligação no centro-esquerda e não no mundo nacionalista. Isso são boas notícias para a Catalunha, isto é, o realinhamento do sistema partidário entre esquerda e direita, e não entre nacionalistas e espanholistas. Montilla procura desta forma estar menos condicionado pela esquerda nacionalista e afrontar a perda significativa de votos que sofreu para a abstenção e para o novo partido (Ciutadans) que precisamente se afirmou com um discurso anti-nacionalista.

O realinhamento do sistema partidário catalão é muito mau para Zapatero porque atira a CiU para os braços do PP. O PP não saiu bem das eleições de Novembro, tendo perdido votos e um deputado para os Ciutadans. Na semana pós-eleitoral, não foi ouvido nem achado para qualquer solução governativa. Não só a CiU tinha prometido jamais voltar a aliar-se com os populares (promessa feita diante de notário), como o resultado eleitoral tornou o PP absolutamente irrelevante na Catalunha. Mas o tripartido e o consequente realinhamento partidário são excelentes notícias.

No momento em que busca uma porta para inflectir políticas no País Basco sem dar razão ao PP, Zapatero vê-se atirado para os braços da esquerda mais radical e mais longe do centro político. O El País e Cadena Ser começam a falar na possibilidade do PP ganhar as próximas eleições. Volta-se a falar da guerra do Iraque e dos últimos anos do governo Aznar para condicionar qualquer aproximação entre CiU e o PP.

Tendo em conta o barril de pólvora em que está transformada a política anti-terrorista de Zapatero (por culpa essencialmente sua) e a previsível incapacidade do PSOE em obter ganhos eleitorais significativos nas eleições regionais e municipais de Maio de 2007, não é de descartar que Zapatero queira eleições em Fevereiro ou Março próximos. Para o PP, abre-se uma luz ao fundo do túnel. A aproximação a CiU passará necessariamente pelo afastamento da direita extrema. Não surpreenderia pois que Rajoy anuncie em breve uma remodelação da sua equipa com Zaplana e Acebes de saída.

Zapatero lutará pela sua sobrevivência política. Veremos que trunfos ainda poderá utilizar para evitar uma maioria não socialista. Mas demasiado depende agora de factores que lhe escapam das mãos. A paz no País Basco dar-lhe-ia um novo alento. Mas o regresso do terrorismo activo da ETA pode ser-lhe fatal. Já Rajoy que parecia arrumado e condenado a uma última derradeira derrota eleitoral pode afinal ter mais futuro do que se pensava. Volta a estar tudo em aberto... E isso é uma má notícia para Zapatero.

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